Um segredo da cultura underground: ela sobrevive pelo carisma. Há uma crença de que o underground é apenas a admiração pelo que é pouco conhecido e fora da rota comercial. Os álbuns ou bandas dos quais não se ouve falar na mídia. Não é necessariamente assim.
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Na porta do Wonka Bar, escutava-se que a música lá embaixo era boa (o show acontecia no porão). O que causou uma certa pressa em pagar a entrada e descer logo para conferir. E, também, eu estava atrasada. Em algumas horas.
-Olá, atrasadas! As meninas atrasadas! Bem-vindas!
A recepção de Markus, carregada de sotaque gringo, denota o bom-humor com que conduz sua apresentação. Em segundos, fui transportada a um club de jazz dos anos 50. A vibe retrô da arquitetura e uma bela taça de Dry Martini contribuíram para a nostalgia do tempo que só vi nos filmes.
No submundo das artes, a conexão entre os artistas e o público é mais próxima e intensa do que na indústria do pop, por exemplo. É comum que os artistas que alcançam grande visibilidade midiática sigam tendências comerciais, obrigação que não se impõe a quem ainda não chegou lá.
No filme Cinderela em Paris (Funny Face, 1957), a inocente personagem interpretada por Audrey Hepburn acaba se embrenhando num porão, onde funciona um club de jazz frequentado pelos mais diversos artistas. É neste local (que muito me lembra o Wonka Bar), onde o ar sombrio da arquitetura empedrada contrasta com a espirituosidade da arte, que ela descobre o significado da palavra empatia.
Empatia e espirituosidade definem a apresentação de Markus Jastraunig. Não posso deixar de destacar o talento apaixonado do cantor.
Guerra da Ucrânia
Na companhia dos passos de dança de Carla Almeida e do pianista Caio Santos no teclado, Markus ocupou o palco com maestria durante uma noite toda. Entre canções, ele conta um pouco sobre si, seus gostos musicais, referências e sua terra natal, a Áustria.
Após o show pude conversar com Markus e Carla. Como a jornalista que sou, talvez meu papo soe como entrevista – e não por acaso veio parar num portal de notícias. Se a arte de Markus impressiona, sua história mais ainda.
A história a seguir é contada a partir dos relatos ouvidos naquela noite.
Carla é brasileira e dançarina profissional. Trabalhou como artista na Áustria, onde conheceu Markus, agora com pouco mais de 40 anos. Ele, quando mais jovem, alistou-se para servir o exército. Hoje, é refugiado da guerra no Brasil.
–Os jovens não estão se alistando, relata Carla sobre o conflito entre Rússia e Ucrânia.
Com o baixo comparecimento de jovens dispostos a lutar pela Ucrânia, a Áustria ampliou a faixa etária dos soldados, chegando aos 40+. Acontece que embrenhar-se num conflito bélico já não consta nos planos de Markus, de forma alguma. A solução foi… fugir.
Carla e Markus se casaram e moram em Curitiba. Ele é refugiado aqui. Veio às pressas, sem avisar amigos e família. A mãe ficou para trás. O irmão, “dá pulos deste tamanho” quando fala com Markus ao telefone, ele relata.
Mas era isso ou a guerra. A arte ou a guerra.
Se você chegou até aqui, espero que tenha a oportunidade de assistir a um show deste artista que me encantou. Conta aqui nos comentários se a história te tocou?